Professor José Fernando Lima Souza (Fernando Tourinho).



Por Fernando Maciel. (Professor da FDA, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Membro da Academia Alagoana de Letras, Mestre em Direito, Advogado).

Era a tarde de um dia de semana do ano de 2007, e lá estava eu tentando me recuperar do que acabara de ouvir. Ainda não acreditava. Na minha frente o Desembargador Fernando Tourinho, que havia sido meu professor de processo penal na Faculdade de Direito de Alagoas (FDA.), a quem admirava tanto por seu conhecimento jurídico, por sua humanidade e inteligência, com quem tinha construído uma amizade desde às bancas universitárias, me havia dito “Filho, me aposento mês que vem, andei pensando em voltar a advogar, recebi alguns convites, mas acho que é melhor eu ir advogar com você. Você teria um lugar para mim lá no seu escritório?”. Eu, incrédulo, que jamais o convidara pois nem de longe passaria por minha cabeça de jovem advogado em ter um verdadeiro ídolo trabalhando comigo em minha modesta banca, com voz tremula respondi: “O senhor tem certeza disso?”, e antes que ele mudasse de ideia emendei a frase: “Claro. Meu escritório está a sua disposição”.

O mestre José Fernando Lima Souza, que ficara conhecido como Fernando Tourinho devido à sua performance de marcação dura no futebol, nasceu em 03 de julho de 1937 no Município de Major Izidoro, filho de Aprígio Francisco Souza e Alcina Lima Souza, tendo saído ainda jovem do sertão e vindo para Maceió, junto com seus pais, em busca de uma vida melhor. Somente voltaria à sua terra muitos anos depois para fazer o discurso de inauguração da Câmara Municipal, aí já prestigiado como advogado criminalista de fama nacional. Fizera do direito, como costumava dizer em suas aulas na vestuta Faculdade de Direito de Alagoas (FDA), a época de minha graduação Centro de Ciências Jurídicas, “sua tábua de salvação”.

Quando ouviamos esta frase como seus alunos àquela época, eu e tantos outros que estávamos no curso de direito buscando uma forma de “vencer na vida”, nos animamos e inspiramos para vencer as dificuldades que a própria vida sempre nos impõe. Este fora apenas um dos inúmeros ensinamentos que ele nos transmitiu naquelas aulas tão esperadas e queridas. Eu ainda tive a chance de conviver com ele muitos anos, sempre aprendendo sobre o direito e sobre a vida, até que ele passou ao plano espiritual em 04 de março de 2014, aos 77 anos de idade.

O inesquecível professor exerceu inúmeros cargos e funções públicos e privados, tendo começado como escriturário do Poder Executivo Estadual de Alagoas, e passado por inúmeros outros como Adjunto de Promotor de Justiça Estadual, Procurador Geral do Município de Maceió, Vereador do Município de Jaramataia, Al., Consultor Jurídico de Inúmeras instituições públicas e privadas, Membro do Conselho Penitenciário do Estado de Alagoas, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Alagoas, Professor  de Processo Penal do Centro de Estudos Superiores de Maceió – CESMAC, Professor da Escola Superior da Magistratura, Desembargador Eleitoral, Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, pelo quinto constitucional na vaga destinada aos advogados, Presidente do TRE/Al., Presidente e Corregedor do Tribunal de Justiça de Alagoas, Governador do Estado de Alagoas ( em substituição temporária ao Governador Ronaldo Lessa licenciado, enquanto presidente do TJAL e por impedimento do Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas e do Vice Governador de então), Professor de Processo Penal da Universidade Federal de Alagoas e Advogado Criminalista, dentre outros tantos.

Na sua vida profissional, como Professor da Universidade Federal de Alagoas na área de processo penal formou diversas gerações, compartilhando com grande generosidade seu conhecimento sobre o processo penal, o direito criminal e sobretudo sobre a vida. Desfilavam por suas aulas magnificas, inúmeros autores dos quais hoje poucos falam, como Nelson Hungria, Nicola Framarino Del Malatesta, Enrico Ferri, Enrico Altavilla, Mittermaier, entre tantos outros, fazendo com que nós, com poucos recursos financeiros, porém embevecidos de sua ciência corrêssemos para a então livraria Caetés e lá deixássemos o pouco que recebíamos de nossas bolsas o CNPq para comprar ao menos um livro ou dois destes autores renomados.

Dedicou-se com afinco à nossa FDA, sendo suas aulas disputadas por todos, mesmo os alunos que já haviam “pago” aquela matéria. Nos “causos” quer nos contava, lembro-me ainda de como gostava de dizer que nos juris enquanto houvera sido advogado, antes de ser conduzido ao TJAL como Desembargador, gostava de jogar a roupa da vítima ensanguentada sobre os jurados e pedir a condenação do réu. Sua natureza, entretanto, era de defensor, de compreender os limites da alma humana, e assim, entendendo seu cliente, lutar com afinco por sua absolvição. E foram muitas, em mais de um mil tribunais do júri realizados em sua brilhante vida profissional de mais de 30 anos de advocacia.

Advogado de escol, tive a oportunidade de junto com ele, quando veio ser meu colega de banca advocatícia, participar de inúmeros processos de grande repercussão no Estado de Alagoas, de alguns tribunais do júri, onde o mestre mesmo já cansado pelo tempo que a ninguém perdoa, se transformava, e como um leão defendia seus clientes. Era um advogado no sentido absoluto da palavra, mesmo já tendo ocupado inúmeros cargos como os acima delineados, não deixava de ir ao “front”, de “ralar a barriga” no balcão das varas do fórum. Certa feita fomos juntos ao presidio, e lá ele brincando me disse: “Filho, isso é o que somos, dois advogados de porta de cadeia”, e rimos muito disso, pois tanto a minha formação como a dele nos dizia que devíamos ir onde nosso cliente estivesse. Vibramos juntos pelas vitórias alcançadas e sofremos também pelas derrotas, mas para mim que tanto o admirava, estar funcionando ao seu lado nestes processos já era uma vitória.

Com ele aprendi muito da advocacia e da vida. Não me esqueço da lição que me deu quando nos preparávamos para a instrução de um processo criminal: “Filho, nunca se pede à testemunha para dizer o que a gente quer. Nunca se pede a ela para mentir. Ouve-se a testemunha. Se ela tiver informações que ajudem nosso cliente, à arrolamos, se não tiver, à dispensamos. Só isso.”

Na vida formou junto com sua amada Geine uma família feliz, bela e unida e que me inspirou na formação da minha. Lembro-me da felicidade do mestre quando seu filho Fernando Tourinho de Omena Souza, Juiz de Carreira, chegou ao Tribunal de Justiça de Alagoas, como Desembargador, lá estando até hoje, abrilhantando aquela Côrte. Recordo-me do carinho que sempre se percebia em sua voz ao mencionar os nomes de Fernando, Mauricio, Luciana e Viviane, ou ainda de sua esposa e de seus netos.

Triste foi aquela tarde de março de 2014, quando os meios de comunicação informaram de seu falecimento, e Alagoas e o Brasil perderam um homem tão bom e sensato. Hoje homens como ele fazem falta.


 

Fonte Bibliográfica:

 

DE SOUZA, Claudemiro Avelino (Organizador). Galeria dos Desembargadores de Alagoas. Maceió: Editora Viva. 2020. Páginas 220/222.

 

 


Mídia



Fotos