A faculdade de direito de Alagoas: Sonho de uma geração. Futuro de muitas gerações.



Era final de tarde, início da noite, e lá estava eu com meu pai na praça Visconde do Sinimbu quando de cima do trio elétrico alguém no micro-fone gritando os nomes dos aprovados para o curso de direito da Universidade Federal de Alagoas, turma 91.2, disse meu nome. Naquele momento eu não acreditei, pois não houvera feito cursinho, estava cursando o quarto ano de eletrônica na antiga Escola Técnica Federal de Alagoas, e sinceramente fizera o vestibular por mera experiência, sem qualquer compromisso de passar. Somente cai em mim e percebi ser verdade quando virando para trás vi meu pai, hoje falecido, pulando igual a uma criança. Ai concomitantemente ouvi mais uma vez meu nome.

Havia conseguido. Após muita luta dos meus pais, que mesmo vindo de uma situação difícil financeiramente, sempre acreditando que o estudo era a melhor forma, talvez a única legítima, de mudar as vidas das pessoas, fizeram o melhor de si para darem condições a todos os seus filhos de estudarem. A alegria era tamanha que uma serenidade invadiu meu coração e pude ter certeza que aquela oportunidade divina mudaria sim minha vida para melhor. E não somente a minha, mas a de todos que me cercavam.

Tinha sonhado muito com aquilo, pois sabia que o direito, e mais especialmente cursado na vestuta Faculdade de Direito de Alagoas (FDA), nesta época denominada de Departamento de Direito da UFAL., tinha uma tradição em nosso estado que vinha de inúmeros juristas os quais buscaria seguir o exemplo para dar o melhor de mim, por mim, pelos meus e por minha comunidade. Sabia que com esta oportunidade poderia crescer como pessoa, financeiramente alcançar minha independência e exercer uma profissão nobre.

Hoje após mais de trinta anos, olho para trás e como naquela música de Gonzaguinha, digo que “começaria tudo outra vez”. Realizei meu sonho. O curso de direito da UFAL, da minha amada Faculdade de Direito de Alagoas, de fato mudou os rumos da minha vida. Fez-me independente financeiramente, e através dele conheci a mulher que viria a ser o grande amor da minha vida com quem casaria e constituiria minha família, levou-me a escrever, a ter uma profissão, por fim, como pensou Ulysses ao refutar os prazeres da Ilha de Calypso, deu-me um lugar no mundo.

E hoje, quando esta Faculdade completa noventa anos, vejo-me como seu professor há cerca de vinte e cinco anos, e não poderia deixar de ser agradecido à geração que a fundou e a todas as gerações que à vêm alimentando com a lenha do conhecimento, do empenho e da dedicação.

Um conjunto de professores que lecionavam no Liceu Alagoano, após inúmeras reuniões, em 24 de maio de 1931 fundaram a sonhada Faculdade de Direito de Alagoas. A iniciativa de sua criação entretanto, partiu de um homem do povo, negro, então funcionário do Liceu Alagoano, Agostinho Benedito de Oliveira, que os reuniu.

Nesta reunião inaugural, não somente os sonhadores e corajosos professores do Liceu Alagoano estavam presentes, mas também inúmeros advogados e juristas bem como o então juiz da capital, posteriormente desembargador, Mário Augusto da Silva Guimarães, destacando-se os juristas e mestres Jayme de Altavila, Guedes de Miranda, Vírgilio Guedes, Barbosa Júnior, Domingos Correia, Manoel Onofre de Andrade, Herminio Barroca, Maciel Pinheiro, Leão Marinho Tavares Bastos, Francisco José dos Santos Ferraz e Xavier Acioly, e todos clamavam pelo imediato começo das atividades do curso de direito em nossa terra caeté.

A Faculdade fora oficializada pelo decreto 1.745 de 25 de fevereiro de 1933, como instituto livre de direito e estadualizada através da Lei número 1.250 de 1º de junho de 1936, fato extremamente importante para sua sobrevivência, vindo após inúmeras mudanças, a ser federalizada pela lei número 1.014 de 24 de dezembro de 1949.

A Faculdade teve sua sede inicial no prédio situado na Praça Montepio dos Artistas, no centro de Maceió, onde depois viria a ser instalada a sede da OAB/Al. – Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Alagoas, sendo tal sede da FDA desativada com a sua incorporação à UFAL – Universidade Federal de Alagoas, com criação desta em 1961.

Tal sede inicial fora construída em terreno e com recursos doados pelo então interventor federal Afonso de Carvalho, tendo sido considerada de utilidade pública pelo decreto 1.530/1931 da lavra do interventor federal Luiz de França Albuquerque. Sua federalização se deu através de projeto de lei da lavra do então deputado federal Lauro Montenegro e com a participação dos à época senadores por Alagoas, Freitas Cavalcante e Medeiros Neto, antes mesmo de ser incorporada à UFAL. O prédio que abrigou a FDA fora inaugurado em 1934 com baile concorrido na capital alagoana.

A Faculdade de Direito de Alagoas foi cenário de diversas visitas e homenagens a inúmeras personalidades de reconhecimento nacional e internacional, dentre os quais destacam-se Pontes de Miranda, jurista alagoano e considerado o maior jurista das américas, e o Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira, que compareceu à cerimônia comemorativa das Bodas de Prata da faculdade, tendo recebido o título de Professor Honoris Causa da Faculdade de Direito de Alagoas.

Nesta ocasião inclusive, o então diretor da casa, professor Jayme de Altavila, em discurso histórico assim se pronunciou:

“Em vinte e cinco anos de existência, senão brilhante, porém honesta e eficiente, a Faculdade de Direito de Alagoas outorga pela sexta vez o título de Professor Honoris Causa.

E orgulha-nos proclamar que hoje, como no passado, nunca o fizemos por outro sentimento que não fosse o reconhecimento e a admiração.”

Após a prelação do diretor ilustrado, e sendo também antecedido pelo discurso do grande orador alagoano e professor da FDA Guedes e Miranda, visivelmente emocionado também manifestou-se o Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira:

“De minha parte, quero dizer-vos que podeis confiar na colaboração do Governo Federal em todas as iniciativas que constituam os roteiros reais de vossa evolução.”

Em suas bancas lecionaram juristas de escol, dos quais ressaltam-se Guedes de Miranda, Jayme de Altavila, Alfredo Gaspar de Mendonça, Cyridião Durval, Osman Loureiro, Antônio Aleixo Paes de Albuquerque, Marcelo Lavenère Machado, Fernando Tourinho, Paulo Luiz Netto Lôbo, Marcos Bernardes de Mello, dentre tantos outros.

Tendo Nossa Senhora de Fátima por padroeira, à quem fora consagrada em seu salão nobre em solenidade presidida pelo seu diretor, Professor Jayme de Altavila, a Faculdade de Direito de Alagoas, recebeu a visita de alunos, professores e do reitor, professor Ulysses Braga, da Faculdade de Direito de Coimbra, com a qual manteve durante largo tempo intercambio.

Outro fato importantíssimo que denota a condição pioneira da Faculdade de Direito de Alagoas, é ter tido duas mulheres diplomadas em 1934, na sua primeira turma, quando ainda pouco espaço era dado na área de estudos às mulheres, tendo sido estas corajosas desbravadoras Alda Pinheiro e Antonieta Duarte, baluartes na luta contra o machismo e exemplo de que a Faculdade já houvera nascido com o DNA da valorização das diferenças e da igualdade.

As mulheres sempre ocuparam espaços importantes como professoras e gestoras da Faculdade de Direito de Alagoas, podendo-se relembrar as ilustres juristas e mestras Marilma Torres, Rosa Leão, Albertina Tenório, Vicentina, Marlena Falcão, Erinalva Medeiros, Silvia Lavenère, dentre outras tantas.

Enfrentando inúmeras dificuldades a Faculdade de Direito de Alagoas passou pelo regime militar, quando fora notável a participação dos alunos de direito da UFAL em inúmeros movimentos contrários à ditadura militar e que possibilitaram com isso o impedimento da mudança prejudicial ao conhecimento que o regime militar desejava implantar nos currículos das faculdades de direito no Brasil, retirando por exemplo o estudo de filosofia e do estado.

A FDA enfrentou crises econômicas e institucionais, como o sucateamento da educação brasileira, mas contando sempre com o alentado sonho de todos os que a formaram e a conduzem conseguiu chegar aos nossos dias com o reconhecimento unânime de um dos melhores centros de estudo do direito do Brasil.

Em 1973, em face da implantação do regime de créditos e da nova estrutura de departamentalização dos cursos superiores no brasil, inclusive na UFAL, a FDA passou a ser denominada de Departamento de Direito, passando a ser vinculada ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA).

Na década de 90, através do empenho e liderança do Professor Doutor Paulo Luiz Netto Lôbo, o curso de direito da UFAL, conseguiu tornar-se independente do CCSA e passou a constituir o CJUR – Centro de Ciências Jurídicas, tendo sido o renomado jurista, que viria a ser posteriormente membro do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, seu primeiro diretor.

Ponto alto de sua notoriedade se deu com a aprovação do curso de mestrado em direito público da UFAL, em 2004, que lançou a pedra fundamental em nosso estado dos cursos de pós-graduação na área jurídica, que já formou inúmeros professores e pesquisadores para Alagoas e para o Brasil.

O compromisso da Faculdade de Direito de Alagoas com a comunidade local e com a sociedade alagoana, não restou somente adstrita à formação de profissionais do direito, mas através da criação do Núcleo de Prática Jurídica – NPJ, um dos primeiros do pais, que resultou no Fórum Universitário, em parceria com o Poder Judiciário do Estado de Alagoas, e no Escritório Modelo de Assistência Jurídica (EMAJ), passou a ajudar na solução de conflitos nas comunidades circunvizinhas à UFAL., além de trazer para seus alunos a possibilidade de interagir com a prática do direito.

Esta verve de pesquisa, pratica e interação com a comunidade na verdade já fazia parte da alma da FDA, desde sua fundação, posto que já em setembro 1943 através do seu Boletim da Faculdade de Direito de Alagoas, ano I, número 1, esta casa do direito apresentou à sociedade alagoana e ao Brasil inúmeros trabalhos jurídicos no intuito de informar e divulgar os conhecimentos ali debatidos, escrevendo naquele boletim vasta plêiade com artigos extremamente importantes, como por exemplo “O Juiz e a aplicação da pena”, do Dr. Osório Calheiros Gato, “Aspectos médicos legais do novo código”, do Dr. José Lages Filho, “O  direito é mais precioso do que a paz”, do Dr. Antônio Guedes de Miranda, “A aplicação do novo Código Penal – Inteligência do Art. 44, II, do Homicídio Qualificado”, voto do Desembargador Edgar Valente de Lima,  no Tribunal de Apelação, “Adoção”, do Dr. Alfredo de Barros Lima Júnior, “Acreditemos em Deus e no Direito”, de Jayme de Altavila, “Fundamento do Direito”, de José Romão de Castro, “Da força maior no Direito Social brasileiro”, de Adalberto Tabosa de Almeida, “Calúnia e Injúria, delitos contra a honra”, de Renato Guimarães de Macedo, “Histórico e Evolução do direito do consumo”, de  Demócrito de Castro e Silva, “Reflexões em torno de Edmund Huss”, de Sílvio de Macedo, “Concepção antiga e moderna de Estado”, discurso proferido por José Raimundo de Faro Melo.

Tal Boletim, posteriormente deu origem à uma revista própria da FDA, onde seus professores, alunos e membros da comunidade jurídica escrevem, contribuindo profundamente com o cultivo da ciência jurídica em nosso estado.

Somente em 2005 o curso de direito da UFAL pode voltar a ter uma sede própria, situado no campus universitário A. C. Simões, vindo posteriormente em 2006, após reforma regimental da UFAL, voltar a adotar o seu nome originário de Faculdade de Direito de Alagoas.

A FDA tem se destacado anualmente nas várias avaliações a que tem sido submetida, tendo sempre ocupado os primeiros lugares nestas e mantendo seu reconhecimento nacional como referência de estudo das ciências jurídicas no Brasil.

Nessa luta pelo direito e mais do que isso, na busca constante da aplicação dos conhecimentos teóricos do direito à vida, sob um víeis de sua natureza social e liberal, em defesa das igualdades, liberdades e diferenças, a Faculdade de Direito de Alagoas tem formado gerações, dentre as quais tive a sorte de pertencer, e como que seguindo um preceito, ainda presente nos dias de hoje, em todos que a formam, tem realizado aquilo que o renomado jurista alagoano, conhecido como um dos maiores tribunos da história do direito no Brasil, professor da FDA, Guedes de Miranda, discursou na entrega do título de Professor Honoris Causa ao então Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira:

“O impulso de inspiração idealista e cultural  que, há vinte e cinco anos, arrojou a fundarmos a Faculdade de Direito de Alagoas, deve remontar ao ano de 1.120, ou à época muito mais subjacente.

Procede da era das escolas romanas da Antistius Labeon e Anteius Cápito, sob Augusto Otaviano, ou ao tempo da Universidade de Bolonha, em pleno século XII.

A lição é de Legaz y Lacambra que ensina: “ o direito é sempre uma ordem de vida, um ordenamento de relações vitais, que nasce na vida, nela cresce e se desenvolve e finca as suas raízes.

O direito é, pois, uma realidade objetiva. Existe para servir à vida, por causa dos homens.

 

Desta forma a Faculdade de Direito de Alagoas, chega aos seus 90 anos, como uma obra que passou por diversas lutas para ser realizada e tantas outras para se estabilizar, nasceu de um sonho compartilhado por muitos e permanece a ser sonhado e cultivado por todos que a compõem e com certeza fazer parte desta história nos deixa honrados a todos.


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